Chá de Nostalgia


Eu bebo chá de lembranças às cinco horas da tarde. Primeiro, recolho-as com os dedos trêmulos e as transformo em palavras; o cheiro de livros velhos, terra úmida, vento seco e empoeirado, suco de maracujá, folhas secas, tinta fresca e fim de tarde toma conta de toda a cozinha, enquanto eu mancho minhas mãos com todo o tipo de cor que minhas memórias carregam.

Encho o bule de sonhos. O dia morre. Ponho-os todos, sonhos, lembranças e dia a ferver, dentro de meus olhos fechados, perambulando agoniados dentro de minhas órbitas. Meu corpo joga-se na cama. Meus braços me abraçam, tocam meus pés gelados calçados com meias. Embebedo-me de nostalgia, choro lágrimas quentes e durmo fria na cama, esperando enquanto o dia não amanhece, sem desligar as luzes. Os fantasmas estão por todo o lugar. Eles dançam ao som da música que, triste, toca ao meu redor.

Maio.



Nasci em um dia de outono. Devia estar chovendo.
Todos os meus aniversários chovem.
Sou assim, só sei chover.
Lembro-me de um projeto de menina vestida de bailarina, com o nariz pro lado de fora do portão de madeira esperando os convidados chegarem ao seu aniversário. E talvez não viesse ninguém...
É a chuva, minha mãe dizia.
Gosto de maio. As folhas caem, as árvores ficam coloridas. O chão fica laranja, vermelho, amarelo. O vento gelado, a chuva que gela os ossos. Eu gosto... Gosto de maio. Do gosto meio doce de maio.
Solto os cabelos e o vento os acaricia. Beija meus olhos e alisa meu rosto. As poças frias molham meus pés enregelados dentro dos tênis velhos e sujos. Os castanhos parecem mais brilhantes.
Nunca aprendi a dançar. Nunca aprendi a esperar. Nunca soube ser só.
Aprendi a enfeitar cada minuto que passo nos dias de outono, caminhando pelas alamedas, beijando ternamente folhas secas com os olhos.

Se gotas de chuva, folhas de outono e contos de fadas pudessem ser uma pessoa, essa seria eu.

Não sei se são meus olhos que são enuviados, mas o mundo me parece meio desbotado... O verde da grama me parece tão pálido. O chão me parece tão sujo. A luz me parece tão fraca... e as árvores, tão mal vestidas. Às vezes eu queria aquarelar o mundo. Colori-lo nas mais bonitas cores. As flores seriam multicoloridas. O arco-íris seria fosforecente. Os sorrisos seriam brilhantes. As lágrimas seriam bonitas. Andar descalço não seria um problema. As pessoas seriam livres para brincar de chuva, ou para adormecer em um monte de folhas secas.
O céu não teria motivo algum para se vestir de cinzas.

Do medo e sua cura.


Tens que aprender: Os olhos podem pesar, não derramar. Soará falso como sempre, mesmo sendo mais verídico que o mundo que nos cerca. Os exageros que tanto estão entranhados em sua pele irritam, sejam eles quais forem. Exaltações irritam o âmago daqueles que se enterram em si mesmos. Os exageros são atribuídos aos loucos, e ninguém gosta de ser louco. A razão é o que eles mais enaltecem, mas também o que eles mais contrariam. Não é você quem decide o que ser, e sim a média geral do que eles conhecem sobre ti. Os julgamentos prévios estão à solta, e eles machucam.

“Mas como?”, eu pergunto. Como não chorar? Porque é digno esconder essas gotas díspares que desabam de minhas pálpebras, e porque, ainda, é pecado desentranhar-se? Porque é vergonha revelar-se? Porque a fraqueza é algo ruim?

Eu queria ser forte. Eu queria não derramar destes olhos uma gota sequer. Queria que essa doença que atende pelo nome de medo tivesse analgésico, que a dor que corrói meu âmago como ácido tivesse algum tipo de anestésico.

Eles estão todos olhando pra mim, e todos tem os olhares reprovadores. O que foi que eu fiz? Não lembro em momento algum de pedir pra viver. Então porque, afinal de contas, deveria eu continuar? Eu poderia até chocar violentamente meu crânio contra o teto, eu poderia até enfiar um projétil na minha testa, mas porque ainda estou aqui?

Poderiam sentir minha falta?? Mas neste mundo imenso, que falta faria uma pessoa? Se eu morrer, nascerá outro ser como eu, talvez melhor. Melhor poeta, melhor amante, melhor humano... Mais forte, sem defeitos, mais preparado, mais corajoso... Até porque poetas, oras! O mundo está cheio deles, afinal. A seleção natural é uma aposta, uma roleta russa, e agora é a hora em que chega a minha vez.

Que a bala entre em mim neste momento. E eu sabia. Algo no revólver que aponto à minha própria testa diz isso, e este algo me faz sorrir pela ânsia da minha tão esperada liberdade.

Par.

Me desconcentro por alguns momentos enquanto você me aconchega num abraço meio desajeitado, puxando e desconjuntando os lençóis à nossa volta.
Os olhos bêbedos perdem-se em pontos desfocados, sua boca ensaia possuir a minha.
Pernas enroladas, pulmões colados, corações frenéticos. Penso no quanto é bom abraçar você. No quanto seu cheiro de sabonete e cigarros faz bem ao inundar minha pele.
Tique-taques de relógio parecem uma sinfonia somente, o quão rápido as horas passam. Brisas abafadas alimentam nossos suspiros, breves e suaves, ao olhar um nos olhos do outro.
Ali os mundos, opiniões, crenças, amores, carinhos, fundem-se todos num só: uma poça brilhante colorida em avelã dando boas-vindas ao meu sorriso incontido.