A brincadeira.


Eram quase doze horas da manhã,e o sol estava a pino.O calor sufocava,mas a sufocava mais do que qualquer um poderia perceber.Mais do que qualquer um poderia notar.
Apesar do calor,ela estava trancada em seu quarto:o único cômodo da casa em que se mesclava de coisas de adolescente com brinquedos e pelúcias de criança.Sentada no chão,e neste,estava pousada uma faca grande de cozinha.Os cabelos desarrumados estavam caídos no rosto como uma moldura mal feita num portinari,num monet ou num van gogh.Olhava a lâmina incrivelmente prateada que reluzia,um brilho semelhante àquele que tinha nos olhos ao segurar o cabo de segurança desta.
Primeiro,rasgou parte da tela,o sangue escorrendo de sua bochecha até o queixo.Provou um pouco da substância vermelha que pingava.
Parecia brincar com a dor.
Rasgou quase que inocentemente a palma da mão direita.Subia a curva fina que traçava do dedo até o pulso,onde fincou mais ainda os dentes da lâmina,que derramavam manchas vermelhas por todo o piso branco;Cada gota que pingava era semelhante a um sorriso que ela de vez em quando abria no rosto,como uma ferida.Sorria como um esgar de dor.
Seu coração pulsava forte,e isso era inegável.Era a primeira coisa proibida que fazia na vida:morrer.Ou brincar de morrer,digamos.A cada batida,seus vasos sangüíneos vomitavam mais e mais sangue.Achava tentadora a dormência nos dedos,no cérebro.A ardência do corte era quase imperceptível,quase que deliciosa.Deixou seu corpo cair sem amparo no chão,e,uma vez no caída,conseguia apalpar seu entorpecimento.O pulso jorrava sangue no chão cirurgicamente branco,enquanto ela ria debilmente.Não tinha ninguém em casa;não tinha como alguém socorrê-la.E ela ria,pela primeira vez,de verdade...
Nunca ninguém imaginaria que seu suicídio tinha sido tão risonhamente macabro como aquele.

entropia.


Como uma peça frágil de parafina que derrete,como a inconstância de todo sistema não-linear e dinâmico.Tende sempre à inconstância,tende sempre à lágrima,tende sempre ao incomum.As palavras doces tendem à arrogância,e vice-versa.
Mesmo o mais constante dos sistemas irá um dia tender à entropia.
E tudo é uma questão de tempo...tudo é algo que não tem controle.

O demônio de Maxwell nunca,nunca existiu.