devaneios

Nos sonhos eu sou muito melhor. Olhos enxergam pinturas a óleo no lugar de céus e nuvens. Os lugares pulsam, os corredores borbulham. Penso em quem pintou o céu. Alguém deve tê-lo pintado.
Cenas, ângulos, cores. Não sei porque pra mim e especialmente porque isso tudo importa tanto. Como cacos de vidros tão sujos e embaçados podem me fazer devanear e como eu sinto que nada disso, ao mesmo tempo, é importante?
Estou num jogo de xadrez. O tabuleiro, as peças... eu sou apenas um peão prestes a ser derrotado, no canto adversário, sonhando com a vitória. Olho pro chão e ele é gramado. Olho pro céu e existem copas de árvores, ao meu redor espelhos brilham opacos, sussurros ininteligíveis conversam rapidamente por dentro deles. Os espelhos tem raízes, eles respiram.
Mas aí eu acordo. Aquela luz amarela e florestal se apaga. O ventilador me deixou com a boca seca.
Uma vez me descreveram um lugar e eu não lembro de nada do que disseram. Na minha cabeça eu estava flutuando. Pensei em várias luas, em pilastras gregas feitas de vidro, eu num chão meio que transparente, em um senhor bondoso me esperando no alto das escadas. Tudo era meio azul. Não sei porque pensei em mais de uma lua, e não sei porque as pilastras não sustentavam teto algum.
O travesseiro não é tão macio, o escuro debaixo de meus olhos me incomoda. Vou conversando em minha cabeça, conversando, até faltar assunto.
E se...
Começa. Estou num banquete. Os pratos estão vazios. O rei me olha do outro extremo da mesa, ri satisfeito e pega o prato. Ergue-o e morde um pedaço de sua borda. Experimento o mesmo.
As bordas são doces. Experimento um talher, e ele é meio azedo.
Levanto-me e estou em uma biblioteca tão grande quanto eu não posso descrever. As estantes são altas, altas, três, não, quinze metros acima de mim. O teto é abobadado e enfeitado de estrelas. Dou uma gargalhada. Corro, os braços abertos, tocando tantos livros quanto eu consigo. Corro até ficar cansada, danço ballet por entre as páginas, até chegar a um livro em particular.
Toco sua coluna. A poeira sai dele. Abro sua capa, toco em sua primeira página. Aliso aquela folha de papel deformada pelo tempo, e logo ela se torna uma página nova. Olho-a continuamente, não paro de olhá-la, olho-a tanto que estou dentro dela.
É um aeroporto. A luz é neutra. Alguém me ajuda a carregar minhas malas. Penso que nunca estive num avião. Fico nervosa. A pessoa some e eu estou sozinha.
O aeroporto está todo vazio. É meio-dia. Eu sei que não há ninguém, não há ninguém no mundo mais, só eu ali, esperando o avião. Embarco, e lembro que essa palavra é estranha para um vôo.
Olho para baixo e só vejo água.
Eu não sei voar. Nem nadar.
Acordo com o som da chuva.
É tarde, é noite. Não vejo estrela alguma no céu. As silhuetas de prédios são mortas, mas prefiro pensar que eles estão apenas prendendo a respiração.
Prefiro pensar que eles nasceram do chão.

2 comentários:

Tai Ramos disse...

Liindo, Mandy.
O engraçado é que o ritmo de acordar e sonhar me lembrou Tyler Durden, com o narrador dormindo e acordando.

amovc :*

Augusto Felizola Garcez disse...

axei ...